O Cobra que é fera

Acho que ele deu uma exagerda, mas é por ai…

Segue entrevista publicada na ZH do treinador pessoal do Airton Senna

Está perto o dia em que as empresas irão contratar um funcionário levando em conta o consumo máximo de oxigênio do candidato. Significa que, além do currículo do profissional, empregadores estarão de olho em qual o VO2 máximo, a quantidade de oxigênio que passa pelo coração por minuto e é assimilada pelo organismo. A previsão é preocupante se você estiver fora de forma, e o autor dela é Nuno Cobra. Aos 72 anos, em grande forma, o preparador físico ganhou fama disseminando a ideia de que “o professor do cérebro é o músculo” e por seu trabalho com o campeão de F1 Ayrton Senna. Também treinou empresários, como o presidente do Grupo Pão de Açúcar, Abílio Diniz, e é autor do livro A Semente da Vitória.

  • Estilo Próprio – Qual é o seu conceito de beleza física?

    Nuno Cobra – É o físico estar belo, o que está baseado no nível de saúde dessa pessoa. Muitas vezes as pessoas falam “Eu tô com saúde porque eu não tô doente”. Mas a saúde não é simplesmente a ausência da doença. A saúde é a pessoa encantada com a vida, aí vem o belo, a maior expressão da vida sintetizada no encantamento de viver, mais nada. A beleza não são traços apenas, é energia, vitalidade, é aquela pessoa que passa uma expressão de vida. Está cheio de gente que não está doente, mas o nível de saúde está lá no pé da mesa. Essa é uma pessoa feia. Pode ter traços lindos, mas está morta.

    EP– Para alcançar esse nível de saúde que o senhor defende é obrigatório praticar uma atividade física?

    Cobra – Não só fazer uma atividade física. É preciso fazer de maneira correta, sem malhação estúpida. Uma atividade que seja feita em equilíbrio de oxigênio e que a pessoa não esteja sendo maltratada ou agredida. Em A Semente da Vitória (livro de Nuno Cobra), digo que malhar é para Judas num sábado de aleluia. Se a pessoa caminhar ou correr, praticando de forma agradável, sem sofrer, está construindo o seu lastro cardiovascular, e esse lastro é que vai dar mais energia, mais vitalidade e mais disposição.

    EP – O senhor acredita mesmo que chegaremos a um nível em que as empresas vão avaliar o consumo máximo de oxigênio do candidato a um emprego?

    Cobra – Não tem como ser diferente. Trabalho há mais de 50 anos, quando, pelo que eu dizia, achavam que era louco. Mas hoje um monte daquelas coisas que eu dizia a ciência comprovou. Pregava que a gente chegava ao cérebro pelo músculo e desenvolvia o cérebro, o espírito, pelo corpo e o elevava. Não faz poucos anos, a ciência comprovou que quando você está caminhando, está correndo, fazendo atividade em equilíbrio de oxigênio, o cérebro está fabricando novos neurônios. O músculo é professor do cérebro. Sem um trabalho físico, você não consegue elevar seus níveis de energia, vitalidade e disposição. Não é tomando remédio que vai conseguir isso.

    EP – Exercício, seja ele qual for, é obrigatório?

    Cobra – Não pode esquecer que você geneticamente caminhou na terra por vários milhões de anos. Você se tornou um animal do movimento e não pode prescindir disso. Nosso organismo é perfeito. Você faz besteiras, não dorme, come porcaria, não faz atividade física nenhuma, e ele vai aguentando 20, 30 anos. Uma hora ele desequilibra. Também coloco no meu livro que o sono é fundamental, assim como a respiração, a alimentação e o relaxamento. Já peguei uma infinidade de pessoas com as quais trabalhei com 28 mililitros, 26…

    EP – Não entendi, 28 mililitros de quê?

    Cobra – Vinte e oito mililitros de sangue que passa no coração dela por minuto. É o consumo máximo de oxigênio ou também chamado VO2 máximo. Se passa no sangue dela 28 mililitros e é absorvido pelos seus tecidos, pelos seus órgãos vitais, ela está num déficit tão extraordinário que não adianta fazer curso, aplicar em palestras… A empresa gasta dinheiro estupidamente.

    EP – É fato que vivemos um problema seriíssimo de obesidade no mundo, inclusive a obesidade infantil. A que se deve isso?

    Cobra – A alimentação tem que ser uma coisa sempre de acordo com seu gasto calórico. A maioria das pessoas não tem por que comer. A fome não existe.

    EP – Como assim a fome não existe?

    Cobra – A fome nada mais é do que uma compulsão que você tem quando começa a comer. Se você não começar a comer, você não tem essa compulsão. Eu já tive aqui no meu consultório dezenas e dezenas de pessoas morrendo de tão magras e não conseguindo comer porque justamente elas ficaram sem comer para ficar magras. Você põe um chocolate no bufê da sua casa. A primeira vez que você passar e olhar para esse chocolate você vai ter uma força X para comer esse chocolate. A segunda vez vai ser X menos Y. A terceira, X menos Y menos Z. Se você ficar um mês passando, aquele chocolate não vai representar mais nada pra você. Mas mesmo que tenha passado um mês, se você for lá e der uma pequena mordida no chocolate, eu duvido que você não vá comer esse chocolate inteiro. Então entra a compulsão. E as pessoas confundem isso com fome.

    EP – E essa fissura mundial que se tornou a corrida. As empresas estimulam muito. Qual a sua opinião?

    Cobra – Acho uma estupidez. As pessoas continuam correndo para ganhar, para fazer um tempo menor e para serem mais rápidas. Acham que a performance é resultado da sua dedicação, do seu esforço, do seu sofrimento, do seu martírio. Mas a performance é você lá na frente conseguir correr mais rápido, não pelo seu sofrimento, mas como um resultado da melhoria da sua eficiência cardiovascular que vai fazer você ter uma performance melhor. Então sair correndo que nem vaca brava, nota zero. Não melhora a saúde, piora. Aumenta os radicais livres e a pessoa vai fazer um envelhecimento prematuro. Fazer a coisa certa não é fácil, mas é possível.

    EP – O senhor continua trabalhando com atletas?

    Cobra – Continuo, mas o meu forte sempre foi o trabalho com a saúde. Pego pessoas com Síndrome do Pânico, depressão, Síndrome do Toque … tira-se todo o medicamento e cura, não é doença…

    EP – Como é o seu método? O senhor trabalha com uma equipe?

    Cobra – Oriento o sono, a alimentação e a respiração com relaxamento. A pessoa vem e me diz “Preciso emagrecer”. Eu respondo, você vai emagrecer. Primeiro você está proibido de se pesar, proibido de pensar em emagrecer, porque se está gorda assim é porque a sua vida está toda errada. Então vamos colocar essa vida em ordem, vamos começar a fazer um trabalho em equilíbrio. Por exemplo, essa pessoa que está correndo em débito de oxigênio, ela não vai emagrecer nunca. Ela está queimando músculo. Porque você só metaboliza gordura quando tem oxigênio na corrente circulatória.

    EP – Um atleta do Grêmio, o Souza, rompeu o ligamento cruzado. É possível a recuperação total de um atleta com lesões, como é o caso do Ronaldo Fenômeno?

    Cobra – Hoje há tecnologia de colocar um ligamento no joelho. Mas o caso do Ronaldo é o mais fácil do mundo. O problema dele é o peso. O Ronaldo era um fenômeno. Agora, como eles fizeram musculação artificial com peso, ele está cheio de músculo burro. Músculo não serve para nada. O Ronaldo seria um cara que iria superar o Pelé, só que o Pelé era um atleta, leve e musculoso, que subia em uma bola a três metros de altura e dava uma bicicleta. Tive a oportunidade de estar em contato com o Pelé porque o meu professor Júlio Mazzei foi quem o treinava. Depois veio o Coutinho. Ganhamos a Copa de 70 graças ao Coutinho, não ao técnico. Os atletas corriam que nem loucos, estavam com o consumo máximo de oxigênio espetacular. Não cansavam. São coisas que passam despercebidas.

    EP – Como o senhor mantém a sua saúde?

    Cobra – Se você passar a mão no meu abdominal, vai ver um tanquinho.

    EP – Estou com inveja (risos).

    Cobra – Tenho 72. E tenho tantos músculos que estou sempre muito magro. Porque o músculo aumenta o processo de queima metabólica. Você queima gordura sentado, dormindo.

    EP – O senhor sai alguma vez da linha na alimentação?

    Cobra – Mas não é sair da linha. A gente não come o que a gente gosta. Você sabia disso?

    EP – Não… estou ficando triste.

    Cobra – A gente não come o que a gente gosta, a gente gosta do que a gente come. Eu quero ter prazer. Adoro aquilo que como, um peixe grelhado é um espetáculo! Detesto fritura. Por que vou comer fritura se para mim não é gostoso?

    EP – Mas o senhor toma um vinho ou come uma sobremesa em dia de festa?

    Cobra – Nunca na vida comi uma sobremesa. A pessoa pode comer uma sobremesa, mas não depois da comida porque você faz a digestão no duodeno. Ela fica no seu estômago fermentando, e a digestão fica difícil. Acredito que há 40, 50 anos, devo ter comido uma sobremesa e não me fez bem. Então nunca mais comi. Acho absurdo o cara comer sobremesa depois que se alimentou ou comer uma fruta. A fruta tem que ser comida em jejum. A verdura tem que ser comida antes, porque também não faz a digestão no estômago. A pior coisa para a digestão é comida crua. Tem gente, à noite, que diz: “Vou comer uma saladinha pra comer uma coisa leve”. A leveza não está na balança, está no metabolismo.

    EP – Bom, quem chegou até essa parte da entrevista, pode pensar “Estou fazendo tudo errado”.

    Cobra – Mas todo mundo está errado, a cultura faz as pessoas ficarem erradas. A culpa não é das pessoas, é da sociedade.

    EP – O senhor acha que dá para começar com o quê? Um check up?

    Cobra – Tem que evitar o médico o máximo possível, porque, se você estiver com a sua saúde baixa, ele não vai fazer nada com você. Apareceu um senhor aqui que dizia “Estou doente, me acordo cansado”. Se acabou de acordar e está cansado, está mal mesmo. A pessoa precisa começar a sair dessa inércia, tirar a bunda da cadeira. Desculpa o termo.