Durante muito tempo, a preocupação das empresas estava somente na obtenção de lucros, com a qualidade de vida em segundo plano. A boa notícia é que a necessidade de atenção à saúde do colaborador, cada vez mais, é percebida por grandes empresas brasileiras e internacionais. Essas corporações estão levantando a bandeira de que para se mostrar competitiva para a concorrência deve-se cuidar também do que se tem dentro de casa.
Por Onlife
Garantir uma remuneração competitiva com o mercado, oferecer participação nos lucros e promover os funcionários a cada meta alcançada. Esta seria uma receita de sucesso se a administração de uma companhia se limitasse a um plano cartesiano, mas os gestores bem sabem: gerenciar pessoas não consiste apenas em uma designação de tarefas e recompensa pelo trabalho desempenhado.
Assim como o emprego pode ser visto como a segunda casa, os funcionários acabam sendo a segunda família e necessitam de cuidados e valorização do bem-estar, para manterem as tarefas em execução. O problema é que, durante muito tempo, a preocupação das empresas estava somente na obtenção de lucros, com a qualidade de vida dos colaboradores como item secundário no planejamento estratégico. Essa falta de atenção não apenas com a saúde de quem trabalha na corporação, mas também com a maneira como as pessoas se relacionam resultou em estatísticas de baixa produtividade, insatisfação com o ambiente de trabalho, absenteísmo e demissões.
A boa notícia é que essa necessidade cada vez mais é percebida por grandes empresas brasileiras e internacionais. Essas corporações estão levantando a bandeira de que para se mostrar competitiva para a concorrência deve-se cuidar também do que se tem dentro de casa.
O CEO da Staywell, Paul Terry, conta que a promoção do binômio saúde e produtividade está atrelado à possibilidade de as pessoas serem fisicamente capazes de realizar suas funções, mas, para isso é preciso criar um ambiente correto. “Os indivíduos pensam saúde corporativa ligada apenas ao bem – estar físico, mas essa questão envolve também o clima organizacional. Tem a ver com o tipo de abordagem que os funcionários utilizam para se comunicar e a compreensão do significado de cada tarefa realizada”.
Sem fazer menção a uma filosofia utópica, Terry afirma que é possível criar um ambiente de trabalho agradável para todos e chama atenção para o conceito de unicidade. “Para as pessoas se sentirem confortáveis, é necessário se sentir parte de um todo. Deve-se amar o campo de trabalho”.
O sócio- consultor da Havik, Fernando Goes, conta que é determinante o tamanho do envolvimento quando se quer fazer uma transformação. “Essa mudança só ocorre quando os indivíduos se sentem parte de um mesmo princípio”.
Quem emprega, cuida
Uma pesquisa realizada pela consultoria alemã GFK, com o objetivo de analisar o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, em níveis de stress, mostra os resultados do Brasil entre os piores na média do mundo.
Entre os pontos abordados, o que mais chama atenção é o indicador de nível de mal estar no trabalho. A média do mundo mostra um índice de 40%. Já no Brasil esse resultado chega a 53%. No quesito pressão para realizar longas jornadas, a média global é de 31%, os trabalhadores brasileiros apresentam 42%.
O diretor de educação da Associação Brasileira de Recursos Humanos, Luiz Edmundo Preste Rosa, pontua alguns motivos que têm levado os trabalhadores a apresentarem tais características.
“Nos últimos anos têm ocorrido uma venda intensa de automóveis, as pessoas estão demorando mais de uma hora para chegar ao trabalho e para voltar também. Estão ficando mais ansiosas e estressadas. É necessário que as empresas olhem para o ambiente de trabalho de forma mais flexibilizada e que os departamentos de Recursos Humanos se comprometam em educar e promover uma mudança de cultura dentro das organizações”.
A Basf, empresa do segmento químico, tem como um dos seus princípios ter uma equipe apta para trabalhar e satisfeita com a sua rotina dentro da companhia. Para isso, investe em uma política de atração interessante, uma estrutura de trabalho agradável e líderes que saibam trabalhar dentro desta premissa.
Dentro das concepções da empresa, o balanceamento das dinâmicas do dia a dia foi a estratégia escolhida para aliar mente e corpo saudáveis. Assim, a Basf desenvolveu a campanha “Vida em Equilíbrio”, para incentivar o colaborador a contribuir para o seu próprio bem-estar. “Nós valorizamos os funcionários que conseguem junto a sua liderança se organizar com as tarefas e suas necessidades pessoais”, afirma a médica do trabalho da empresa, Lorena Al-Hakim.
Com 14 mil funcionários espalhados pelo mundo, Lorena conta que a estratégia de promoção de saúde da Basf é incentivar que as pessoas tenham qualidade de vida enquanto estão no período ativo, para que envelheçam com boa saúde. Isso porque além de o envelhecimento populacional ser uma realidade, estima-se que até 2020 a empresa tenha aproximadamente 2500 funcionários com mais de 65 anos. Diante disso, a Basf realiza palestras, dinâmicas, faz uso de material informativo e conversas periódicas para educar seus colaboradores a ter uma vida mais saudável.
Mesmo com um índice de tabagismo baixo, a Dow Química tinha como meta combater e diminuir o vício entre os funcionários. Para alcançar essa meta criou, na sua unidade do Guarujá, a campanha “Eu Quero Parar” e convidou os colaboradores a participarem. “Se não quisessem eles não precisavam fazer parte, mas tivemos 100% de adesão, totalizando 26 pessoas”, afirma o médico do trabalho da Dow, Lucio Ribeiro.
Com o grupo montado, a empresa se viu diante da necessidade de primeiramente diagnosticar os motivos que levavam os indivíduos a fumarem. Com o levantamento, a Dow concluiu que os principais fatores eram ansiedade e a dependência da nicotina. Tomando como base esses dados, foi decidido que as pessoas seriam divididas em dois grupos: um seria tratado apenas com terapia e o outro faria uso do medicamento Vareniclina usado no combate ao tabagismo.
Ribeiro conta que os participantes foram divididos levando em consideração as razões pelas quais cada um fazia uso do cigarro. O tratamento com medicamento teria duração de 12 semanas e acompanhamento psicológico durante 1 ano após o termino do tratamento.
“Conseguimos alcançar o abandono do vício em 70% dos participantes e redução substancial de 100%. Pessoas que fumavam 20 cigarros por dia, diminuíram para 1”.
Atuante no setor químico, a empresa faz uso da esfera a qual está inserida para exemplificar seu interesse em cuidar da sua força de trabalho com a filosofia corporativa: “Falta um componente na tabela periódica: o componente humano”, afirma Ribeiro. Se depender deles, não faltará mais.
Já a Cia Vale do Rio Doce investe em um modelo para tratar de forma integrada os recursos pessoais de saúde, ambiente físico de trabalho e psicossocial. Por isso, a companhia vem trabalhando com o programa Saúde Integrada Vale, com o objetivo abordar essas questões nos pilares de saúde ocupacional, assistencial e saúde da comunidade. Entre as iniciativas elaboradas pela empresa, as mais importantes são cuidados com os dependentes, flexibilidade no trabalho, suporte financeiro, descanso remunerado e não remunerado, envolvimento com a comunidade, mudança da cultura organizacional, saúde e bem- estar.
Dificuldades no processo
O gerente de saúde corporativa da empresa da Cia Vale do Rio Doce, Fernando Coelho Neto, afirma que um dos principais desafios no processo de promoção e prevenção de saúde é a mensuração de dados. Isso porque empresas de grande porte possuem diferentes formas de aplicação das iniciativas. Sendo assim, não há como estabelecer um número padrão para os resultados obtidos nas campanhas.
Ribeiro aponta que o principal desafio pelo qual a Dow passou foi a quebra de paradigmas, uma vez que seria necessário lidar com um grupo resistente que já havia tentando parar de fumar anteriormente. No entanto, o executivo valoriza a criatividade e acreditar que tudo é possível como motivador.
Além de vontade, para um projeto como esse prosperar, é preciso fazer investimentos. E, como se sabe, durante muito tempo as iniciativas relacionadas à saúde dentro das empresas foram vistas como algo supérfluo. Logo é possível que os gestores do departamento financeiro limitem o orçamento dos projetos.
Para Rosa, da ABRH, esse posicionamento é um reflexo da percepção que ainda norteia algumas empresas que veem a saúde como benefício quando, na verdade, ela precisa ser encarada como um valor. Dados da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge) mostram que os custos com planos de saúde empresarial são o segundo maior gasto na folha de pagamento. Os gestores que não quiserem continuar alimentando essa estatística devem mudar a maneira de pensar.
Fonte: Revista FH – Edição 201